Não conheço algo mais irritante do que dar um tempo, para quem pede e
para quem recebe. O casal lembra um amontoado de papéis colados. Papéis presos.
Tentar desdobrar uma carta molhada é difícil. Ela rasga nos vincos. Tentar sair
de um passado sem arranhar é tão difícil quanto. Vai rasgar de qualquer jeito,
porque envolve expectativa e uma boa dose de suspense. Os pratos vão quebrar,
haverá choro, dor de cotovelo, ciúme, inveja, ódio. É natural explodir. Não é
possível arrumar a gravata ou pintar o rosto quando se briga. Não se fica
bonito, o rosto incha com ou sem lágrimas. Dar um tempo é se reprimir, supor
que se sai e se entra em uma vida com indiferença, sem levar ou deixar algo.
Dar um tempo é uma invenção fácil para não sofrer. Mas dar um tempo faz sofrer
pois não se diz a verdade.
Dar um tempo é igual a praguejar "desapareça da minha
frente". É despejar, escorraçar, dispensar. Não há delicadeza. Aspira ao
cinismo. É um jeito educado de faltar com a educação. Dar um tempo não deveria
existir porque não se deu a eternidade antes. Quando se dá um tempo é que não
há mais tempo para dar, já se gastou o tempo com a possibilidade de um novo romance.
Só se dá o tempo para avisar que o tempo acabou. E amor não é consulta, não é
terapia, para se controlar o tempo. Quem conta beijos e olha o relógio
insistentemente não estava vivo para dar tempo. Deveria dar distância, tempo
não. Tempo se consome, se acaba, não é mercadoria, não é corpo. Tempo se
esgota, como um pássaro lambe as asas e bebe o ar que sobrou de seu vôo.
Qualquer um odeia eufemismo, compaixão, piedade tola. Odeia ser enganado com
sinônimos e atenuantes. Odeia ser abafado, sonegado, traído por um termo. Que
seja a mais dura palavra, nunca dar um tempo. Dar um tempo é uma ilusão que não
será promovida a esperança. Dar um tempo é tirar o tempo. Dar um tempo é
fingido. Melhor a clareza do que os modos. Dar um tempo é covardia, para quem
não tem coragem de se despedir. Dar um tempo é um tchau que não teve a
convicção de um adeus. Dar um tempo não significa nada e é justamente o nada
que dói.
Resumir a relação a um ato mecânico dói. Todos dão um tempo e ninguém
pretende ser igual a todos nessa hora. Espera-se algo que escape do
lugar-comum. Uma frase honesta, autêntica, sublime, ainda que triste. Não se
pode dar um tempo, não existe mais coincidência de tempos entre os dois. Dar um
tempo é roubar o tempo que foi. Convencionou-se como forma de sair da relação
limpo e de banho lavado, sem sinais de violência. Ora, não há maior violência
do que dar o tempo. É mandar matar e acreditar que não se sujou as mãos. É
compatível em maldade com "quero continuar sendo teu amigo". O que se
adia não será cumprido depois.
(do livro "O amor esquece de começar")
Imagem: namorandoecia.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário