Você já parou para pensar no quanto valorizamos as trocas afetivas, os relacionamentos românticos? Parece que todos estão em busca de um amor. Como se cada pessoa fosse uma metade cambaleante que mal se aguenta em pé, buscando desesperadamente uma outra metade, para que assim possa caminhar inteira pela vida.
Se considerarmos que somos metades em busca de metades, será inevitável que queiramos que a metade buscada contenha “exatamente” o que nos falta. Isso torna os relacionamentos amorosos, em geral, extremamente exigentes e controladores. Não raro as pessoasque estão se relacionando comentam que têm dificuldade de ser elas mesmas.
Pense em alguém que começa a namorar. Imediatamente após o anúncio, formal ou não, do início do relacionamento, desenrola-se uma interminável lista de expectativas e cobranças. De repente, o outro deixa de ser alguém qualquer e passa a ser o “nosso” namorado, ou namorada. Como se tivéssemos adquirido um novo produto, passamos a esperar muita coisa.
Queremos que a pessoa nos complete, exigimos atitudes, cobramos, fantasiamos. Criamos uma metade perfeita na nossa cabeça e queremos a todo custo que o outro seja aquilo que imaginamos. Esperamos que aquela pessoa nos faça felizes, preencha nossa carências, afaste nossos medos e nos faça sentir tão aconchegados, protegidos e serenos quanto nos sentíamos no colo da mãe.
Agora pense na amizade. E sinta a diferença. Sabemos que o amigo não é “nosso”. Não esperamos que o amigo seja “tudo” para nós. Não exigimos que ele nos considere prioridade na sua vida. Não ficamos plantados ao telefone imaginando mil razões para explicar o porque dele não ter ligado ainda. Não ficamos infelizes se o amigo quiser sair com outros amigos. Não nos consideramos donos dos nossos amigos como acaba acontecendo com os relacionamentos afetivos.
Escolhemos um amigo para trocar idéias, para rir juntos, para filosofar sobre a vida. A verdade é que respeitamos um amigo muito mais do que respeitamos nossos parceiros afetivos. Pense em como seria se tratássemos nossos parceiros afetivos como tratamos os nossos melhores amigos com menos expectativas, menos cobranças e muito mais respeito por sua individualidade. Pense em trocas mais equilibradas, onde o dar e o receber fluem de forma harmoniosa. Pense em uma relação com menos medo de perda e mais carinho verdadeiro, com menos palavras e mais gestos significativos. Parece bom, não é?
Para que isso seja possível, precisamos aprender a nos ver como inteiros. Enquanto continuarmos nos sentindo metades, não seremos capazes de ser amigos de nossos parceiros afetivos e continuaremos agindo baseados no desejo de controlar o outro, no medo de perdê-lo. Enquanto formos “metade”, precisamos que o outro seja a outra metade. Simplesmente não podemos permitir que ele seja apenas quem é. Não há como respeitá-lo.
Assim, dedique sua energia em fazer amizade com a sua solidão. Saiba que a solidão é uma terra úmida e fértil. Plante nela sementes da sua individualidade, até que dali brote o fruto sagrado da inteireza. Faça com que a sua inteireza brote das profundezas da sua úmida e escura solidão. E assim, inteiro, brote um amor amigo. Detalhe: Ele precisa ser inteiro também.
Patricia Gebrim – Enquanto Escorre o tempo – Editora pensamento
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