Quando o amor acaba de repente, a
mulher tão familiar que está na frente dele do outro lado da mesa do
restaurante se transforma numa desconhecida. Em um estalo de dedos, anos de
convivência se apagam completamente, como se um gigante tivesse passado uma borracha
no álbum de fotos criado pela memória dos dois. O rosto dela lembra vagamente
alguém que ele conheceu há muito, muito tempo, mas aquela pessoa já não está
mais ali. Se clones humanos existissem, a pessoa do outro lado da mesa do
restaurante certamente seria um deles.
O mal-estar é recíproco, mas de
natureza diferente. Ao contrário dele, ela sabe muito bem quem está na sua
frente – bem até demais. Ela sabe que o que está sendo prometido nunca será
cumprido; sabe também que a voz dele diz uma coisa, mas a realidade do cotidiano
diz outra. Se houvesse uma máquina capaz de traduzir a alma desse homem, aí
talvez ela pudesse acreditar no que ele está dizendo. Nessa noite, porém, as
palavras soam mais uma vez como sons sem sentido, frios como os copos intactos
sobre a mesa do restaurante.
Dizem que as mulheres se casam
imaginando que vão mudar os homens; os homens se casam acreditando que as
mulheres não vão mudar. Mas a verdade é que as coisas mudam, mas as pessoas,
não. Por que, então, esses dois insistiram tanto tempo e esforço no amor?
Porque é da natureza humana. Porque é da inevitável e desumana natureza humana.
Ao contrário do que dizem os
poetas, amor acaba, sim. Não há nada de romântico nisso, apenas uma verdade
pragmática e palpável. Se você tem apenas um copo d’água para beber, é bom
saciar a sede antes do copo ficar vazio. Às vezes apenas esse copo é
suficiente, mas há ocasiões em que nem todos os mares do mundo podem acalmar
seu coração.
Então é isso. Fim.
Quando o amor acaba, o monstro
que estava escondido debaixo do tapete da sala acorda e domina rapidamente o
apartamento. Frases que nunca deveriam ter sido sequer pensadas são
pronunciadas com a determinação dos carrascos. Não se pode atravessar uma ponte
que foi queimada; com as palavras acontece a mesma coisa.
Agora os dois se olham e sabem
que não têm mais o que fazer. Dentro deles há uma dor contínua, uma tristeza
que sai pelos olhos. Os dois corações estão vazios, porque no lugar daquele
amor todo agora não existe nada. E a vida segue assim, imperfeita.
Texto de Felipe Machado do Blog
Estadão
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